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Showing posts from 2005

Observar

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Fiquei a observar-lhe o rosto, fixar as expressões a cada momento que passava junto a mim, coleccionei a sua dentição por vezes coberta pelos seus lábios carnudos, húmidos. Senti o seu respirar no meu pescoço, enquanto dormia e se sentia segura. Os seus cabelos pertenciam ao espaço que fica entre os meus dedos. E a cada carícia afastava os seus mais arrepiantes medos. Os beijos – mais que na boca – na face aproximavam-nos, Disse-me que lhe eriçavam os minúsculos pêlos que faziam companhia à sua coluna vertebral, os mesmos que noutras alturas acariciei com as pontas dos dedos em sentido contrario à sua disposição natural provocando sensações similares. Aqueles ombros estreitos e côncavos atestavam da sua fragilidade, em cada abraço a envolvia e a cada abraço ela se extinguia. As suas mãos de tamanho reduzido, sensíveis, vítimas das intempéries – vi-as eu de roxo a rubro – massajei-as de tempos a tempos, e recebi a ternura de um sorriso qual cartaz publicitário – venha passar ferias a Be

Abstémia

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A criança já não chora de cada vez que lhe introduzem o dedo na vagina A criança com sono nada de costas no marasmo de inutilidades que a circunda A criança com sono descansa num regaço de sonhos desfeitos e carinhos pervertidos A criança não vê o sol envolvida que está no manto da escuridão imposta A criança de quem se disse não ser sociável, não interagir, ser triste e apagada A criança que chorava sem razão aparente e se isolava das outras crianças A esta menina que agora dorme envolta numa aparente felicidade chamaram criança de risco Está catalogada na segurança social da sua área de residência Será vigiada de perto para que o trauma seja ultrapassado sem deixar sequelas graves A criança cuja educadora de infância não teve sensibilidade para decifrar os sinais - Afinal as nódoas negras nas coxas são tão habituais nas crianças que não constituem motivo para alarme - A criança agora é tema de debates, até na televisão Dizem que representa outros meninos na mesma situação Mas a crian

Syphilis nation

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Syphilis nation welcomes you! Sadist relations - I want you! Monogamy - I’m thru with you, You’re in this world without a clue! Isn’t it great to be a little girl? Especially if you are all alone in this world! While you sell your soul, your false purity, Perverts pay for your body, take your dignity! Seventeen thousand or maybe more Wish they could fuck you little whore! They’d eat your diseases and your sins, Trade all your losses for their wins! Nobody listens to your opinion. Giant rats expand their dominion. Don’t let them show you how to live your life Or else you’ll become their soap wife. Sodomist TV wants your attention. They will appeal to your sensation! Subliminal messages are sent to your brain. You either obey or go insane! This no-second chance society Loves heroes and winners, hates losers like me. It’s all about bringing the others down! It’s all about having nobody around! The dictatorship of faggots and fashion Guide us to our very last action. We are repercussions o

Se eu vivo

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Se eu vivo na região abdominal de um país apodrecido, Conformismo abjecto, aceitação que alimenta o colectivo, Estado de catatónia desprezível que me faz ter sentido de decência, Só me resta fragmentar-me em fezes intelectuais Em tempos recordados como heróicos lutei contra o imposto Conspurquei os símbolos dos regimes fascistas com frases de contestação. Senti orgulho nas convicções que hasteei na bandeira da liberdade. Que sentir agora que sou parte passiva do que apregoei ignóbil? A náusea de um cheiro podre que também parte de mim Provoca vómitos guturais que me anestesiam e entorpecem. Estou cercado de pessoas pretensiosas que afirmam saber quem sou. Protejo-me das intromissões alheias. Mas será o suficiente? Quem me iliba por olhar o passado com orgulho? Quem me condena por odiar a persecução do inevitável conformismo? Como desejei cinco minutos de fama. E como me odeio por tê-los usado de forma tão errónea. Ontem mesmo nasceu uma criança cuja mente será circuncisada Por uma soci

Wrist Cutters

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Os cortadores de pulsos adoram casas de banho Desfazem-se em lágrimas por sobre a sua própria merda Olham os espelhos sujos e baços e treinam poses de dor Adormecem no banho do desespero e da solidão Os cortadores de pulsos adoram casas de banho Esperam que acidentes estúpidos façam o que nunca terão coragem para fazer Colocam aparelhos e acessórios eléctricos em posições de sustentação duvidosa enquanto se banham Pedem ajuda nos sinais que vão deixando por entre lágrimas Os cortadores de pulsos adoram casas de banho Tomam comprimidos em excesso que muito embora não sejam fatais anunciam desfechos mais conseguidos Emborcam grandes quantidades de álcool roçando o coma para saborearem a morte Ensaiam cenas derradeiras vezes sem conta e arrependem-se mil vezes mais Os cortadores de pulsos adoram casas de banho Ruminam últimas palavras de desespero que nunca dirão aos seus reais destinatários Inventam dores fulminantes em locais recônditos para explicarem as lágrimas Exageram cada momento

Tristeza

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Esta minha enfermidade, Carraça de um corpo debilitado, Empresta tal morrinha á minha alma Que exaspero impregnado. Sou escravo dela por meu corpo. Odeio o meu corpo por ela. Posição insustentável de insatisfação. Despertares que desejo serem derradeiro. Prisioneiro de cólicas de ideias E vómitos de palavras. Detesto tudo o que escrevo Porque tresanda a doença. Diarreias de sentimentos, Febres, suores frios de pensamentos. Odeio-me e a morte que não chega Penso em apresentar-me a ela, apressar o encontro. Mas sou um cobarde acomodado ao sofrimento E ao invés perco-me de tanto que me lamento. Sou triste, por opção, deito-me com a dor E acordo com o desgosto de querer ser algo para o qual não tenho coragem. Sou maltratado, implicitamente, por quem percebe a minha debilidade E não tenho forças para reagir, esgotei-as com a dor de me perceber triste. Sou marginal, por opção e empurrão, sou e fui forçado, E reajo, mas no sentido errado, é a mim que faço mal. Esta minha enfermidade identific

The boy who fucked his little sister

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Once upon a time In hateland There was this boy Who was caught Abusing his little sister. Well, well, well... Hadn't he a story to tell... Fucked up mind Since he was a small boy. His father played Him like a toy. So he played His little sister. Just to get even! Your dirty little sister Sucks on your cock. Every time she does it She cries. And when your mother Asks her what's the matter, She lies. She tells her Something's wrong in school. Or once in a while Something's hurting. But you and I know What is going on Behind the curtain. You didn't start it. Your daddy did it Long before you. In fact he also Did it to you. No wonder you hate him Just as much As your sister hates you. Your mother knows All about him. She ain't got the guts To stop him. He beats her up! She cries... And when someone asks What's the matter. She lies! She tells them Something's wrong at work. Or once in a while Something's hurting. But you and I know What is going on Behind

o carro que dobra a esquina

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o carro que dobra a esquina desdobra pigmentos coloridos a pastel, revela fotografias que congelaram momentos, aceita o abraço abrasivo dos raios de sol e o poiso corrosivo do asfalto. o carro que dobra a esquina apesar de velho tem um aspecto simpático, inspira confiança e paz, no entanto encerra histórias macabras de eventos arrepiantes. o carro que dobra a esquina contém um homem amarrado na mala o que faz supor ser único e inconfundível. mas na verdade, todos os carros que dobram as esquinas contêm homens amarrados nas malas pingos de sangue nos estofos, tapetes e tabliers, vários conjuntos de facas, cordas de nylon, bolas tailandesas, luvas de borracha, objectos de tortura consentida ou provocada, estojos de ferramentas, machados ensanguentados, atilhos complicados, frascos de formol, gaze, algodão farmacêutico, ácido sulfúrico, sacos plásticos de cor preta, produtos de limpeza, pneus sobressalentes, macacos elevatórios, cinzeiros imundos atolados de beatas mal apagadas, espelhos

Aborto em pensamento

O meu pai renega-me Qualifica-me como acidental Nomeia-me indesejável Sente vómitos quando fala de mim Quando bate na minha mãe É a mim que tenta atingir Sou aborto em pensamento A minha irmã odeia-me Os carinhos não são divisíveis Sente ciúme de mim Vê-me como um monstro O seu espaço vai ser invadido Sou aborto em pensamento A minha mãe não me deseja Sou um cancro que a consome Uma doença venérea que a aflige Mete os dedos na vagina Empurra-me para cima, impele-me Sou aborto em pensamento O meu cão teme-me Sou uma ameaça ao seu bem-estar Já uiva á lua de tristeza Pretende abocanhar-me à nascença Para que pare de respirar Sou aborto em pensamento Já chateio e ainda não nasci Agarro o cordão umbilical... Sou aborto-suicídio